Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
“O trabalho deve ser remunerado de tal modo que permita ao homem e à família levar uma vida digna, tanto material e social, como cultural e espiritual, tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, assim como a situação da empresa e o bem comum.”
Gaudium et Spes, n.º 67
Esta semana foi alcançado um acordo entre Governo e os parceiros sociais para o aumento do salário mínimo, tendo o mesmo passado dos € 485 para os € 505. O salário mínimo passa pela primeira vez a barreira psicológica dos € 500, embora exista muita gente insatisfeita.
Um verdadeiro acordo tem sempre como componente que as vantagens e as desvantagens são partilhadas. Acresce que neste caso o acordo envolveu para além do Governo os representantes das empresas e a UGT. A CGTP optou voluntariamente por ficar de fora, como é seu hábito, preferindo cavalgar o irreal.
O acordo alcançado é uma ótima notícia para a economia portuguesa e resulta de um bom entendimento, no qual foi possível satisfazer a vontade da UGT que pretendia fixar o salário mínimo em € 505,00, dos empregadores que não queriam ver os custos brutos aumentar dos atuais € 708,00 para um valor acima dos € 730,00 (€ 505,00 + TSU). O aumento foi ainda compensado com uma descida (temporária) da TSU para trabalhadores que já estejam a receber o salário mínimo, na linha da “velha formula” proposta pelas empresas para diminuir os custos com o trabalho através da TSU, tal como tão bem explicou António Saraiva no programa Este Sábado.
É fundamental garantir a sustentabilidade das empresas de modo a manter o nível de emprego e preferencialmente aumentá-lo. Procurar nivelar os salários com a Europa de Leste ou outras geografias é insensato e inglório. Portugal não pode, não deve e na verdade não está nesse campeonato.
Aumentar o salário mínimo é elevar os padrões nivelando mais acima, é motivar os trabalhadores, é procurar encontrar o salário justo, reconhecendo o papel fundamental dos mesmos no projeto produtivo.
Numa economia que depende profundamente do consumo interno, não aumentar o salário mínimo é não querer implementar este fator como acelerador de crescimento.
Um investidor quando avalia os “custos com o trabalho” tem em conta os salários e subsídios de férias e Natal, mas também os impostos, a Segurança Social (a TSU). Por fim, tem em conta os custos com eventuais cessações de contratos, no fundo, aquilo que lhe dá flexibilidade em caso de turbulência na empresa ou na economia.
A tónica deve passar por estimular o crescimento económico, e neste particular a redução substancial dos impostos, a criação de incentivos ao investimento e a redução do peso e da burocracia do Estado. O peso atual destes fatores causa mais dano à economia do que o custo do aumento do salário mínimo e dos aumentos reflexos que daí advirão.
Por fim é fundamental lembrar que o salário mínimo estava congelado há 4 anos e que o valor real do mesmo é hoje mais baixo do que em 2011 quando o mesmo foi fixado, e substancialmente mais baixo do que em 1974 (neste tempo 3.300$00 o que em termos atuais corresponderia a um valor de € 548).
Por tudo isto, é falacioso concluir-se silogisticamente que o aumentar o salário mínimo vai aumentar o desemprego, sendo por isso o mesmo falacioso considerar como André Azevedo Alves que o aumento acordado entre Governo, empregadores e UGT é “irresponsável e reprovável”.
Portugal precisa de um boost económico, que pode ser alavancado pelo aumento do salário mínimo e deve ser acompanhado pela redução das restrições - nomeadamente fiscais - ao investimento.
O Mapa Judiciário tem alimentado nos últimos tempos muitos protestos e declarações apaixonadas dizendo que com o fim dos tribunais acaba-se a justiça para todos e que se viola a Constituição.
Com todo o respeito, até agora não vi nenhum argumento racional contra o encerramento de 20 tribunais e as tais declarações apaixonadas não são mais do que o reflexo conservador de querer manter tudo na mesma por mero sentimento e amor ao tribunal da terra.
Não sei se é por ter origens no Distrito com menos tribunais deste País e de um concelho que não tem sequer um tribunal, ou por não me achar muito conservador, mas considero que Portugal precisa desta reforma como de pão para a boca.
Comecemos por olhar para o mapa, nem todos os concelhos de Portugal têm tribunais. É verdade! E nem sequer têm de ter. E não é por isso que a justiça deixa de servir a toda a gente.
Em segundo lugar, não consigo ver qual é o prejuízo de os tribunais serem concentrados em unidades maiores, mantendo-se a distribuição pelo território nacional. Não estamos a falar de um habitante de Meda ter de recorrer aos tribunais de Lisboa ou do Porto, vai ter de ir ao Concelho vizinho.
Em terceiro lugar, não consigo perceber porque é que os tribunais hão de ter mais dependências do que os serviços de finanças ou os hospitais para não falar de bancos ou outras empresas.
Por fim, se atentarmos no número de interações que cada cidadão tem com o tribunal percebemos que esta discussão é ridícula. Cada um olhe para o número de vezes que a título pessoal visitou um tribunal e fica elucidado. A média nacional deve situar-se qualquer coisa à volta de 0 (zero).
Olhando para o novo mapa judiciário apenas concluo que se ficou muito (mas muito mesmo!) aquém daquilo que devia ser feito, pois:
a) São extintos 20 tribunais e convertidos 27 outros tribunais em serviços de proximidade – o que dito de outra forma corresponde a pouco alterar ou, possivelmente, piorar;
b) Perde-se a oportunidade para acabar com mais tribunais espalhados por todas as santas-terras deste País tenham ou não movimento que justifique a sua manutenção.
Ao fim e ao cabo, a reforma que hoje se vai aprovar é apenas o mexer em algo para que tudo fique na mesma… ou pior.
Foi anunciada, pela ministra Assunção Cristas, a criação de um sistema de aplicação de multas aos proprietários de terras em zonas florestais que não limpem esses espaços.
Mais uma vez o caminho que se pretende seguir é o mais fácil, impulsionar a mudança pela aplicação de sanções.
Aplicar multas aos proprietários que não cortem o mato e organizem as florestas é uma lei injusta. Aplicar uma multa na hora aos proprietários que são apanhados a não limpar as matas é uma aberração.
(Na verdade nem consigo perceber como é que se aplica uma multa do género de multa de trânsito a um proprietário que peca por não ir ao seu terreno.)
Mas vejamos porque é que esta lei é injusta. Muitos dos proprietários de terrenos nas serras receberam esses terrenos passivamente, nada fizeram para os receber mas por força de heranças e partilhas veio parar às mãos. Muitos desses proprietários a maior parte das vezes nem conhecem as extremas e por vezes nem sequer o sítio onde se situam esses terrenos, apesar de pagarem os impostos associados.
Mas pior. Mesmo para aqueles que saibam onde é que os terrenos se situam, o custo de manutenção dos mesmos excede em muito o rendimento que dos mesmos se possa tirar. Mas o Estado do alto do seu trono quer impor a aplicação e agilização do sistema de multas que é para aumentar ainda mais a pressão sobre esses proprietários.
Resta dizer que a aplicação de multas arrisca-se a ser um sistema que impõe um custo ao proprietário maior do que o valor das propriedades em causa. Quantas courelas lá no alto da serra não valerão o preço que vão impor pela multa.
Faz mais pela limpeza e dinamização das florestas e terrenos agrícolas o programa de Bolsa de Terras do que um sistema de repressão pela multa. É certo que o programa das Bolsas de Terras não resolve todos os problemas. Pois não! Mas são estas soluções criativas que são necessárias para criar uma nova dinâmica.
Restam duas notas ou sugestões finais:
a) Ao criarem o tal sistema de aplicação de multas permitam como forma de cumprimento a dação em pagamento, através da qual os proprietários podem entregar as terras libertando-se da multa;
b) Apliquem os mesmos critérios de aplicação de coimas e de fiscalização às terras do Estado; muito provavelmente vão descobrir que o primeiro incumpridor é o próprio Estado, proprietário de parcelas votadas ao abandono.
O fecho de 2013 trouxe uma notícia estupenda: os partidos do Governo e o PS entenderam-se quanto à reforma do IRC.
Este acordo, como diz um anúncio que anda por aí, “é só coisas boas”.
Este acordo é uma machadada nesta cultura nada democrática, de imposição, de pouca negociação que é no campo político português transversal.
Há um brocardo na advocacia que diz “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”. Neste caso temos um bom acordo que põe de parte más demandas político-partidárias. E isto é, de facto, só coisas boas.
Já tudo praticamente foi dito sobre o Guião para a Reforma do Estado. Pelo menos sobre a forma e a análise politiqueira (…por se reduzir a 35 páginas, por não ter números e tal e tal). Mais do que olhar para a forma ou para os atrasos na apresentação, importa focarmo-nos na substância do documento.
O Guião é vago, mas tem a virtude de pôr em cima da mesa alguns temas que importa discutir se queremos verdadeiramente reformar o Estado. O que fazer da Segurança Social, como alcançar um ensino público mais eficiente, a redução do número de municípios e a reforma dos tribunais.
O documento presta-se a críticas, por ser genérico, mas identifico dois importantes aspetos:
a) Lança uma nova agenda;
b) Cria uma estrutura, um esqueleto com potencialidade de harmonizar uma estratégia de política que poderá orientar políticas para o futuro (e porque não para o presente).
Por fim, para lá de Paulo Portas, resulta do documento um empenho em querer pensar uma política para lá da austeridade. Aparentemente terá havido intervenção de ministérios como a Saúde, Justiça, Educação, Segurança Social ou Economia. Empenho este que não deixará de contrastar com o total alheamento do Primeiro-Ministro relativamente ao documento.
Prefiro olhar para o Guião na perspetiva do copo meio cheio. É um documento com conteúdo essencialmente programático e que pretende propor novas ideias, uma nova agenda. As ideias que lá estão merecem ser discutidas, amadurecidas, densificadas e muitas delas concretizadas. É caso para dizer. Afinal havia outra política.
Para não esquecer, foram estas as palavras de Rui Machete à Rádio Nacional de Angola em setembro passado: “Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas e, naturalmente, informar às autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar e simultaneamente perceber o que é que aconteceu do lado do nosso Ministério Público, e a senhora Procuradora-Geral deu informações genéricas, que nos asseguraram que as coisas não tinham nenhum grau de gravidade”.
Estas declarações são gravíssimas e abalam gravemente o princípio da separação de poderes, um princípio basilar de Estado de Direito democrático e são uma perigosa ingerência no poder judicial.
Há que ter noção clara das coisas. Um Ministro que diz isto, seja em que contexto for, passa a mensagem de que tudo é suscetível de influência, seja uma decisão governamental, judicial, privada ou qualquer outra.
A sombra que vai pairar a partir e hoje sobre a justiça Portuguesa é (injustamente?) a de que a mesma é totalmente permeável a interesses políticos, sociais ou económicos. Rui Machete já não vai conseguir apagar esta mancha, por isso só há uma solução “Obviamente demita-se”. Só assim se poderá garantir que alguma réstia de dignidade ainda existe. Quanto à mancha, ao menos que sirva para bradar aos ouvidos de toda a gente a confusão que para aí vai.