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Neste mês de abril celebram-se 40 anos sobre a revolução de abril, ou simplesmente sobre Abril. Celebra-se o momento em que a utopia se tornou realidade, a concretização da luta e resistência de muitos contra um regime que teimava em cortar as liberdades. Um regime que não vergou com a Primavera Marcelista* mas caiu ante a força de um povo que disse Não!.
Mas a democracia não se faz num minuto. Demora a construir, a estabilizar, a maturar. E é tanto melhor tanto aquilo que exigirmos dela. O voto é uma arma essencial, mas é igualmente fundamental empenharmo-nos ativamente nos partidos e nas organizações da chamada sociedade civil.
Recordar Abril cai na maioria das vezes na nostalgia ao estilo de “recordar é viver” do Espadinha, esquecendo a esperança combativa dos cantos de intervenção. Mas pior do que isso cai por vezes na nostalgia de ter visto morrer o sonho como nas palavras cantadas pelo José Mário Branco “Quando a nossa festa s'estragou / e o mês de Novembro se vingou / eu olhei p'ra ti / e então entendi / foi um sonho lindo que acabou / houve aqui alguém que se enganou”.
Com Abril Portugal escreveu talvez das páginas mais bonitas na História Mundial das Revoluções. Uma revolução praticamente sem sangue, uma revolução militar que em vez de balas nas armas tinha cravos, uma revolução que pôs fim a uma guerra e a uma máquina indomável. Uma revolução inspiradora tanto há 40 anos como agora.
Mas Abril esteve quase para ser aquilo que muitos não queriam dela. Por isso não existe Abril sem Novembro. Também não existe Abril sem 1 de janeiro de 1986, quando entrámos para a CEE, ou sem 22 de novembro de 1998, data em que começou a Expo98 e em que Portugal recuperou o orgulho envergonhado. Mas também não existe Abril sem os 3 resgates a que Portugal foi sujeito ao longo dos 40 anos passados sobre Abril.
Falta cumprir Abril? Falta cumprir a “paz, pão, habitação, saúde e educação” para todos que o Sérgio Godinho cantava e canta. Mas estamos, apesar de todos os contratempos melhor hoje do que há 40 anos. Aqui se resume o essencial do que deveria ser Abril. O problema está no modo de lá chegar.
Abril foi o sonho feito realidade e como diz a canção de Manuel Freire com o poema de Gedeão “sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança”. É fundamental não deixar morrer o sonho.
*Sobre o enquadramento histórico, para além do muito que existe escrito e dito, recomendo um debate disponível no site da Antena 1 entre Fernando Rosas e Jaime Nogueira Pinto, onde se trata muito bem a envolvente histórica de Abril. Interessante por ambos conhecerem muito bem os factos, mas acima de tudo por, tendo ambos vivido aquele tempo e com atividade em campos políticos opostos, demonstram um distanciamento e independência de análise louváveis.
Quando Rui Moreira ganhou como independente as eleições autárquicas no Porto disse uma frase que já aqui repeti e que volto a lembrar: “se os partidos não perceberem o que se passou aqui hoje não percebem nada”.
Vários meses volvidos, nada mudou. E está pior!
Os partidos estão a levar a cabo limpezas internas daqueles que por professarem ideias que circunstancialmente são diferentes do pensamento do líder são objeto de perseguições e processos disciplinares.
Vem isto a propósito da expulsão de António Capucho do PSD. Mas também podemos trazer à liça a balcanização do Bloco de Esquerda e a certeza de que nenhum partido com assento parlamentar em Portugal foge às limpezas ideológicas.
Um partido que se dá ao luxo de deitar um membro fundador com uma história de longa atividade, militância e lealdade ao partido é humilhante, não para o visado, mas para o partido cujo conselho de jurisdição determinou a expulsão.
O problema reside bem mais fundo do que a mera análise casuística do fulano A ou B. Nem todos têm o peso do António Capucho e por isso não esperam pela expulsão, saem pelo próprio pé, outros não aceitam as regras do jogo e por isso não se submetem ao jugo partidário.
Não pode um regime democrático aceitar que os partidos que enchem o hemiciclo se rejam por regras que favorecem a manutenção do pensamento único e potenciem os yes men e expulsem, limitem ou por qualquer forma impeçam que os filiados pensem pela sua cabeça.
Aceitar que os partidos continuem a enxovalhar quem tem a ousadia de pensar pela sua cabeça, é aceitar que os partidos fiquem entregues a uma minoria reduzidíssima de militantes (minoria essa que impõe os seus candidatos a todos), é aceitar que cada vez menos pessoas se apresentem nas urnas para votar, é aceitar que os cidadãos deixem de se rever na política.
Recomendo dois artigos muito interessantes:
a) De Henrique Monteiro, Expulsões e divisões - do PSD ao Bloco
b) De Daniel Oliveira, A expulsão de Capucho e os partidos que temos.